Monstro
Quando criança, ficava no parquinho de areia, enfiava meus bonecos até o pescoço e brincava, aparentemente sozinho, perdido dentro de mim. A companhia de meus colegas de sala já me incomodava o suficiente no período da ‘aula’, e aqueles que para mim, eram tragáveis, por sua vez queriam distância de mim.
Agora que não tenho mais meus bonecos, sinto como se brincasse com os humanos e não posso evitar brincar comigo mesmo também. E por estar sempre brincando assim, percebo agora que já não consigo distinguir o real do sonho. Como se tudo fosse uma corrida; como se todos fossemos mentirosos.
Aprecio o silêncio e a solidão.
Nunca ouvi sinos ou flutuei ao conhecer o sabor de outra pessoa.
Não surpreendo ninguém. Não decepciono ninguém. Não me prendo a ninguém. Não sei de mágica ou qualquer outra coisa que eu não possa tocar e saber que é real. Tenho a verdade imutável dentro de mim.
Não tenho problemas com a minha existência ou com as imperfeições de minha aparência. Também não reparo os outros.
Não tenho dúvidas sobre a minha moral e em nada me importa a dos outros. Nada me falta. Não confio em ninguém e não sou confiado.
Eu não tenho dificuldades para dormir. Não há nada de mais em meus sonhos: não são previsões ou lembranças, não há demônios ou anjos. Meus sonhos acabam quando eu acordo.
Hoje, eu digo que a amo. Em breve, não suportarei mais vê-la. Ontem enxugava teu pranto, agora eu sou seu mais terrível erro. Amanhã a esquecerei, e ela me esquecerá também. Quaisquer sensações causadas em mim, ou por mim, se apagarão, e nenhum resquício nela restará, assim como nada me fará lembrar dela, ou de qualquer outra. Tudo relativo a minha pessoa está condenado a desaparecer instantes depois de surgir.
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