Sono

   As nuvens eram como um véu sob a Lua, ofuscando seu brilho sem apagá-lo. Uma única estrela reinava no céu, solitária. As criaturas noturnas sussurravam entre si, as diurnas ressonavam, o vento murmurava com seu bafo gelado antigas cantigas de ninar, ramalhando nas folhas.
   Quebrando a escuridão, uma fumaça nata de um ponto de luz agitava-se ao longe.
   Morcegos foliando, cortando o céu, invisíveis nas trevas. Em meio a isto, reinava o silêncio.
   Mendicantes trêmulos batalhavam pelo lugar mais quente. 
   Residências apagadas.
   Remexia-se na cama, sem conseguir encontrar uma posição que não fizesse doer tanto qualquer parte do seu corpo, ou que fosse, ao menos, confortável; sem nem conseguir fechar os olhos esbugalhados no escuro. Estava descobrindo o quão difícil é controlar o pensamento, quando todas as imagens que vinham a sua cabeça, a levavam de volta para aquele beijo. Ela não queria se lembrar, não queria alimentar o que só fazia sua dor crescer.
   Contraía os olhos, obrigando-os a fecharem, apertava o travesseiro contra a cabeça. Estralava os dedos, um por um, três vezes cada. Punha-se a fitar o escuro imaginando dragões de cor azul celeste, voando junto a estrelas verde limão. Ela quase podia tocá-los, mas, uma vez estendida sua mão na direção de um deles, o mesmo passava a piscar e a diminuir de tamanho, até desaparecer por completo.
   A noite esfriava. Decidida a cobrir-se com um acolchoado, ela se levantou e, no escuro, foi tateando a parede em busca do interruptor, mas a lâmpada estava queimada. Ela puxou o máximo de ar que podia, para te coragem de voltar pra cama no escuro, tão pávida era. Junto com sua respiração, voltou-lhe a imagem do beijo, veio de longe. Rápida e feroz, a imagem correu pelo nada que era o escuro, percorreu todo o quarto até que a atingiu, como um soco.
   Penetrou seu corpo, o soco atingira seu estômago, comprimira seus pulmões – ela não podia respirar. Ávida de sangue, perfurara seu coração e lá permaneceu, impedindo-o de bater.
   Entorpecida, paralisada, gélida, ela deixou-se puxar pelo chão e lá fez seu ninho. E naquela noite enfim, padecera e conseguira chorar. E enfim sucumbira. De saudade, e vontade de mudar.
   De tanto doer seu peito, e de tanto que ela o fez se calar, ele calara-se por fim… E para sempre.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Saudade das Folhas

Ano Três