Fui ver por que os gritos que bradavam por mim haviam cessado. Encontrei-a esticada no chão de pedra. Repousava, esquecida, inerte, rígida. Os olhos esbugalhados em uma feição séria, sua pele estava cinza e lisa. Todo seu corpo estava gélido, algente, como se em suas veias não circulasse sangue há muito tempo.
Ela tanto clamara por mim, olvidada, obscurecida, cansou-se enfim. Dormitava apenas, em meio à escuridão ? Desistiu ? Voltaria ?
Morreu. Esquecida. Iludida.
Devo enterrá-la ?
Muito me custa.
Deixarei-a apodrecer em seu cárcere. O cárcere em que ela mesma se colocou, sujeitando-se ao meu esquecimento imodesto, como se não houvesse outra forma em que ela pudesse viver. Prendeu-se e deixou-se levar pelo tempo, desatinada pela dor da rejeição, doente de amor e ódio, desvairada pelo desprezo.
Seu amor doente, que sentimento desperta em mim ? Pena. Pobre alma.
Ainda ouço seus gritos inconformados que impunham seu corpo ao meu. Lastimo seu destino, embora este fosse imutável. Apenas aguardava o momento em que suas súplicas desgostosas fossem suspensas. Avisei-a ainda em tempo, porém ela, com os sentidos entorpecidos pelo ensandecimento, não pôde me ouvir.
Esperava pelo dia em que sua voz parasse de me atormentar. Sabia que o tempo a interromperia.
Agora pergunto a mim se enquanto eu a tinha, não a queria, por que agora que a perdi, sinto que preciso dela ?
...Sua diferença é uma anomalia. As palavras repetiam-se, incessantemente. E misturavam-se, embaralhavam-se, trombavam umas nas outras, arrumavam-se despropositalmente, num eco, num grama de cheiro de fósforo, que ela não perceberia se não lhe tivessem dito. Tremiam e misturavam-se também os elementos de sua paisagem. Se fechasse os olhos para organizá-los, dormiria. Nato de motivos que ela não procurou entender, receosa, um sorriso despontou, escondido em algum canto daquele murmúrio, e os olhos piscaram mais lentamente, querendo torná-lo mais vibrante, querendo sem querer.. Agora, não era mais nada. Ali, não havia mais nada. Quede... Consciência de hora, lugar e si mesma ? Não havia... Quando perde-se assim, e quando perde-se assim ? Conhece ? Este querer não encontrar-se nunca mais.. Porém, sua diferença... Era uma anomalia.
Que profundo... Muito lindo, eu amei! Pra variar ¬¬
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