Fui ver por que os gritos que bradavam por mim haviam cessado. Encontrei-a esticada no chão de pedra. Repousava, esquecida, inerte, rígida. Os olhos esbugalhados em uma feição séria, sua pele estava cinza e lisa. Todo seu corpo estava gélido, algente, como se em suas veias não circulasse sangue há muito tempo.
   Ela tanto clamara por mim, olvidada, obscurecida, cansou-se enfim. Dormitava apenas, em meio à escuridão ? Desistiu ? Voltaria ?
   Morreu. Esquecida. Iludida.
   Devo enterrá-la ?
   Muito me custa.
   Deixarei-a apodrecer em seu cárcere. O cárcere em que ela mesma se colocou, sujeitando-se ao meu esquecimento imodesto, como se não houvesse outra forma em que ela pudesse viver. Prendeu-se e deixou-se levar pelo tempo, desatinada pela dor da rejeição, doente de amor e ódio, desvairada pelo desprezo.
   Seu amor doente, que sentimento desperta em mim ? Pena. Pobre alma.
   Ainda ouço seus gritos inconformados que impunham seu corpo ao meu. Lastimo seu destino, embora este fosse imutável. Apenas aguardava o momento em que suas súplicas desgostosas fossem suspensas. Avisei-a ainda em tempo, porém ela, com os sentidos entorpecidos pelo ensandecimento, não pôde me ouvir.
   Esperava pelo dia em que sua voz parasse de me atormentar. Sabia que o tempo a interromperia.
   Agora pergunto a mim se enquanto eu a tinha, não a queria, por que agora que a perdi, sinto que preciso dela ?

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