O Cancioneiro
Vós que escutais em rimas espalhado
Desde meu peito o suspirado ardor
E que o nutria ao juvenil error
Quando era mui diverso o meu estado;
O incerto estilo por que eu ei variado
Entre a vã esperança e o vão temor,
Se vós houverdes entendido amor
Terá vossa piedade despertado.
Vejo que a todos meu amor assim
Quase sempre foi fábula somente.
E agora eu de mim mesmo me envergonho.
De minha vida vã vergonha é o fim
E o arrepender-se e o ver mui claramente
Que quanto apraz ao mundo é breve sonho.
… … … … …
Pudera eu ser por a morte livrado
Do cuidado amoroso que me aterra,
Com minhas mãos teria posto em terra
Aquele encargo e o corpo fatigado.
Sinto que se eu morrer terei passado
De um pranto ao outro e de uma a outra guerra,
E com a alma que assim transida erra
Não sei se é morte ou vida o meu estado.
Já tempo fora de ter atirado
A última seta a corda grave e absurda
Que tanto sangue humano tem banhado.
Eu imploro ao Amor e apelo à Surda
Que em mim deixou a sua cor obscura
E chamar-me a seu seio não procura.
[Francesco Petrarca]
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