Lúgubre

   Que figura depressiva, de jeito taciturno, enrolada num amontoado de panos. Estremece de frio, sendo corroída por um gelo dentro de si, que cada vez mais cresce e entope suas artérias, congelando até seus pensamentos. Os lábios azulados gemem algo ininteligível, no olhar molhado uma súplica, as mãos raspando fervorosamente uma na outra, os pés dormentes.
   Que figura depressiva e solitária, mas é ela quem busca sua solidão. É um inseto sujo de esgoto que não aprendeu a viver sob a luz. Alguém que busca amor, e da mesma forma afugenta-o. Alguém que pode existir de uma maneira apenas: voz embargada pelo pranto, quando deveria gritar e expor seus sentimentos, escancará-los ao mundo; figura confusa, oprimida pelo medo, sufocando amor e revolta, submersa em agonia e solitude.
   Que figura depressiva e nefasta, que pensamentos obscuros ! Deveriam proibir tal aberração de respirar, deveriam privá-la do amor: nenhuma outra criatura deveria ser capaz de amá-la; não é solidão que ela procura ? Não é ?? Então pra quê afogar amantes em suas dores, pra quê ferir com punhais tão venenosos, criaturas tão brandas ? Por que não se contenta em viver em seu próprio reino, em sua vastidão sombria ? Por que sai em busca de amor se não acredita na existência do mesmo ? Por que se ilude, e ilude outros ? Por que continua sempre buscando meios de se ferir, e ferir aqueles que gosta ? Por que não se vai e deixa todos em paz, que muito bem estavam, antes de te conhecerem ?
   Que figura depressiva e amargosa ! E que fúnebres consequências tiveram sua tentativa de mudar: mais uma vida arruinada, outro a vagar desacompanhado e sem rumo por estas ruelas imundas, outra alma anuviada…
   Que figura depressiva e soturna eu vejo ao mirar o espelho.

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